terça-feira, setembro 19, 2006

O Dedo em Riste de Helô Helena

Enquanto dossiês urgentes turvam ainda mais o processo eleitoral brasileiro e esquentam a disputa política, Alckmin pega carona com Pedro Bial no ônibus da Caravana JN e Lula, do alto dos gráficos, se esforça para não falar besteira, o dedo de Heloísa Helena permanece em riste.
A estridente presidenciável permanece despejando sua
incontível veemência, causando temor aos microfones e ouvidos mais sensíveis. De dentro de seu inexorável uniforme candidata-de-esquerda-que-não-se-vende, Helô (para parecer mais simpática) enfrenta as críticas injustas, as perguntas dos jornalistas "que não entendem de tal assunto" e ameaça a tudo e a todos com seu dedo levantado, quase uma espada fora da bainha.
A (ex) senadora, que apesar de ter um invejável histórico de lutas em defesa do povo e da transparência na política, anda perdendo as estribeiras e espalhando cortadas incovenientes, falando pelos cotovelos e joelhos e cuspindo radicais perdigotos contra toda forma de poder instaurada.
Tudo bem, não custa ser um pouco radical e exagerado num texto que trata da figura jeans/camisa branca/cabelo preso/dedo indicador para cima
de nossa querida candidata a presidente. Se estivesse falando de Cristóvam Buarque eu seria educado, educado, educado, e só. Se o texto fosse sobre o inexpressivo Eymael, eu falaria de cadeiras, diga-se de passagem, vazias. E se fosse sobre o Bivar (qual o prenome dessa criatura?) falaria de impostos, facilidades financeiras e esse seria certamente um texto de um parágrafo, umas 4 linhas no máximo.
Podem me chamar de machista, mas o fato é que Heloísa Helena perdeu seu lado feminino, seu charme, sua simpatia. Como diria o veterano Ariano Suassuna em recente palestra na cidade do (P)Sol(?): " Olhe, eu sou de esquerda. Mas eu sinto que os erquesdistas brasileiros perderam a alegria. Aquela Heloísa Helena, por exemplo, aquela mulher é muito amarga."
É amarga mesmo. E anda perdendo a doçura que ainda a resta.
A esquerda apesar do estigma de devorar crianças, costumava ter seu charme, seu patamar de utopia, de brisa calma após a catástrofe.
Hoje, mais que nunca, temos dedos rígidos, tesos, faces de raiva, dentes cerrados e só ouvimos risinhos de ironia. Estava na hora de ser um pouquinho mais
paz e amor (- Mas não como o Lula, aquele fantoche! - já ouço o protesto), tomar um Lexotan, uma água com açúcar.
Heloísa Helena devia olhar para o seu dedo em riste, enquanto inspiração sexual (!) e tirar a mira daquele revólver da cara dos jornalistas, dos críticos, dos candidatos à presidência e dos próprios eleitores. Quem sabe assim, a campanha seria mais prazerosa, mais leve, mais "curvilínea".


Imagem: NoMínimo ..... http://www.nominimo.com.br

*P.S.: Sinto que vou apanhar das feministas! Mulheres, venham com calma. Sem panelas, por favor...


segunda-feira, setembro 18, 2006

"O Peso das Coisas" ou "Noite"

50 e poucos quilos de bulimia, olhos verdes cintilantes, ela era linda. Aqueles cabelos loiros espalhados no meu colo.
Lembro como se fosse hoje daquele dia no carro do pai dela, um desses jipes importados cujo nome não me vem à cabeça agora, nem tem importância para o relato. Ela estava exuberante, metida num vestidinho estampado, uma perdição. Tinha fumado um baseado na roda de amigos dela algumas horas antes. Me senti meio por fora naquela situação, eu de All Star e camiseta do AC/DC e os outros, Nike Shox e banho de boutique. Mas ainda assim fumei um, e ela mais que eu. Estava tão feliz.
Levou-me para um barzinho rústico a poucos metros da praia e ficou me fuzilando os olhos. Estremeci com o beijo que me lascou no pescoço. Ainda meio chapada, divertiu-se dizendo que minha barba a arranhava. Pagou a conta depois de um lanche rápido, algumas cervejas. Os amigos dela ficaram me olhando de soslaio porque quando abria a carteira ela já tinha entregado o dinheiro ao garçom.
Havíamos nos conhecido há pouco mais de 2 horas e já estava me bancando. Foi no lounge da Groove, aquela boate decadente que fica atrás do lava-rápido, ali no Centro. Não tinha cara de quem frequentava aquelas bandas, mas foi lá que a conheci. Havia recebido meu modesto salário de estagiário e saí para tomar uma cerveja e pegar mulher. Mal acabara meu namoro de 2 anos e lá estavam aqueles olhos verdes me abordando sem sutilezas. Não titubeei; não teria conseguido mulher mais interessante nem naquele, nem nos outros dias. Dançamos salsa (ou melhor, tentamos) e ela alegou cansaço, chamando-me para sair do lugar. Resisti um pouco, mas quando pôs minha mão em seu quadril, a acompanhei sem ressalvas. Como brilhava aquele par de olhos esmeralda; me fitava com desejo. Ela toda, bastante feminina, altiva, um esplendor de mulher, parecia arder de desejo, mas mantinha-se atrás do escudo da delicadeza. Saímos da boate para não sei onde, sem destino.

- Alô. Oi, Célia! Não. Estou no carro. Fala rápido! Tá, tou indo. Vou levar um amigo, ok?! Tá, beijo!
"Amigo?!" pensei decepcionado.
Lá ia eu para a roda de amigos dela, um bando de riquinhos metidos à besta. Suportei eles e vice-versa. Os olhares de desprezo só não surtiam mais efeito que os dela, me massageando o ego. Pagou a conta e saímos, dessa vez sozinhos.
Parou o carro num matagal próximo à estrada, apagou as luzes e pulou para o meu banco. Agora, aquela mulher era minha e, ainda que tivesse prometido a mim mesmo não se apaixonar por mais ninguém, eu também era dela. Língua e braços e seios e quadris e glúteos e colo; o que era aquela mulher?! Exalava lascívia no suor cheiroso. Fizemos muita coisa naquela noite, naquele lugar. Pena que foi só aquela vez, a única.
Lembro da hora que fui em direção a minha carteira pegar um preservativo e, docemente, puxou minha mão para o seu quadril dizendo "Já paguei a conta, gostoso!" mordiscou minha orelha. Ah, o quadril, sempre o quadril. O corpo arrepiado, a alma também. Não cabíamos em nós de tanto prazer. Fluxos contínuos de sensações, sangue acelerado. Os olhos verdes subindo e descendo nos meus. Os sussurros mudos entre os solavancos, A descobri como se descobre a si mesmo. Não houve detalhes que passaram despercebidos. Ela foi, é, será, minha mulher. Ainda que tenha sido só por aquela noite.

Camila e seus olhos verdes viraram cinzas domingo passado. Ela pediu a família para ser cremada quando da sua morte. Havia já quase dois anos depois que a conheci.
Só fui ter notícia dela um dia desses. Encontrei uma das garotas que estavam conosco naquela noite. Célia, como soube depois que se apresentou, era a morena baixinha que a havia convidado e que eu conhecera no bar da praia. Abordei Célia numa lojinha da rodoviária e ela demorou um tempo para me reconhecer. Não tivemos nenhum contato, mas ela lembrou de ter puxado papo comigo à mesa do bar, anos antes. Disse-me que Camila estava muito doente., que tinha feito muita besteira na vida. Não conversou muito, estava apressada para pegar um irmão que chegava de viagem ou coisa assim. Trocamos telefones, mas não recebi nenhum telefonema, tampouco liguei para Célia.
Só domingo, depois de dois meses após o encontro na rodoviária, recebi um telefonema enquanto assistia o Faustão. Célia disse pausadamente, entre soluços tímidos:
- Camila morreu. Estava muito fraca e não resistiu à pneumonia. Não te contei, mas a Camila pegou AIDS.
Célia ainda ensaiava dizer alguma coisa quando eu, até então estático, deixei minha mão cair, desligando o telefone.
Sinto ainda hoje aqueles olhos verdes embalando minhas horas de insônia. Sinto agora que estou velho, abatido. Sinto minhas olheiras fundas, meus dentes amarelos, meu fedor de cigarro. Sinto minhas costelas, meu fígado, minhas gônadas. Sinto que meu coração já não é mais o mesmo, que eu não sou mais o mesmo.
Já faz 4 dias depois da fatídica notícia.
Eu, 67 quilos de melancolia e elegendo a próxima, decido "Não. Não vou ao hospital!"
- Já paguei a conta! - Esse pensamento ecoava na minha cabeça.
Sonhei com aquela noite, com aquela mulher por muito tempo.

Imagem: Andreas Gefe .... http://www.clandestina.com

Sonido: Night Walk - Belle & Sebastian

* Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.


quarta-feira, setembro 06, 2006

O Psicólogo É Virtual!!!

Sei que muita gente vai ralhar, achar contraditório, praguejar meu nome, chamar-me de idiota e todas essas coisas que o povo adora fazer na internet.
O que vou tentar escrever hoje é sobre como a vida "virtual" afeta a vida "real". Um monte de baboseiras organizadas (ou não) como nos textos anteriores.
O indivíduo virtualizado (desculpe, Aurélio) é um escravo de si mesmo. Ter acesso à virtualidade (foi mal, Houaiss) é, nos dias de hoje, uma necessidade. A Internet e suas armadilhas mais perigosas (Orkut, MSN, Fotolog,etc.) têm poder de vício igual ou maior do que o cigarro!
As pessoas se recriam, criam amizades, criam pontes imaginárias, estabelecem horários, modelos, linguagens tudo em nome do "ser virtual". É questão de estilo. Você é aquilo que seu nick mostra (?). Você sabe a sua importância no mundo, a partir do seu fotolog, e olhe que tudo na internet é supervalorizado, tanto o elogio quanto a crítica. Não existe "em cima do muro" no mundo internético (foi sem querer, Michaels). Ame-o ou odeio-o mortalmente.
Muitas pessoas reclamam da falta de privacidade, mas a tribo moderninha chega a pagar para aparecer. A vida não é nada além de mais um post, um "momentxinho expexial com meux miguxos", uma deprê proposital, uma penca de fãs no Orkut. Há uma ânsia incontrolável em publicar os sentimentos, as verdades sem importância, os desejos, as vaidades.
Ser virtual é ter uma boca trancada e falar pelos dedos. Falar e não falar, tudo da "boca" pra fora. Antes um smiley que um xingamento ou antes um xingamento que uma conversa conciliadora?
- Mando um vírus pra você!
Quase tudo na virtualidade (de novo, se eles podem eu também posso) é um poço lotado de superficialidade, distância e indiferença. O que realmente importa está do outro lado do computador a quilômetros de distância de quem olha o virtual. Uma vida real, cheia de sangue correndo nas veias, com sentimentos pulsando nas artérias e um corpo inquieto.
Pronto, pode reclamar. Ou melhor, criem uma comunidade no Orkut: "EU ODEIO OS TEXTOS DO VÍTOR!"

Imagem: Alvaro Ortega .... http://www.clandestina.com

Sonido: Computer Love - Kraftwerk

domingo, setembro 03, 2006

Des-Equilíbrio

Daft Punk está tocando na minha casa. Aliás, na casa do meu melhor amigo, e eu, um tanto quanto entediado, assisto a tudo do sofá mofado.
Os gatos soltavam seus tufos de pêlos enquanto o brigadeiro de panela enchia a casa com seu cheiro de felicidade. A noite era de sábado mas não havia nada mais do que isso a se esperar. A vida era a mesma de sempre e seguia seu rumo como de costume. Até que alguém dá o play e aparece na tela da tv um nome bastante estranho em caixa alta: KOYAANISQATSI.

- O que ser isso? - perguntei eu.
- Algo como o mundo em desequilíbrio ou coisa do tipo. Cala a boca e assista! - responderam sutilmente.

Calei a boca e assisti. E, em assistindo, fiquei pasmo. E me impressionei. E fiquei indignado. E me contorci na cadeira de balanço. E senti repulsa. E tive vertigem e fiquei tonto e percebi. E mais um monte de coisas simultâneas que esmurravam a minha cara a cada quadro.
Não parei, mas pensei em como uma noite aparentemente tão simples foi responsável por abrigar um momento dos mais importantes para qualquer pessoa. O momento em que se descobre uma obra de arte capaz de mudar sua vida. Ou, pelo menos, sua maneira de ver o mundo.
Koyaanisqatsi é um documento histórico da humanidade. Uma profusão de estímulos pensantes, um fluxo ininterrupto de sensações. É uma descoberta que sempre esteve debaixo dos nossos narizes. Uma lição!!
O ritmo do documentário (ainda que esse rótulo soe castrador para a produção) desperta no espectador a vontade de sair correndo, de acelerar a vida, de ver o mundo de cima, de lamentar ter nascido. É uma obra-prima que você não pode morrer antes de ter se dado ao prazer e ao desconforto de assistir. É impossível passar imune ao fluxo de imagens que confrontam a vida e a morte, tendo o homem como árbitro. Ou melhor, como peça principal de ambos os lados.
Koyaanisqatsi é surpreendente do início ao fim. Um primor ideológico e técnico. É um filme que bifurca boa parte dos seus pensamentos sem proferir uma única palavra. A melhor aliança entre imagem e som que eu já presenciei numa tela.
Mas, antes que isso vire uma resenha muito da mal feita, quero que sirva de sugestão o que foi escrito. Sugestão não, obrigação, com rima e tudo. E assim que começarem a subir os créditos, vá o mais rápido possível procurar os outros dois capítulos da trilogia Qatsi (Powaqqatsi e Naqoyqatsi). Mas cuidado pra não ter um infarto com o primeiro e morrer sem ter o privilégio de desfrutar as partes do todo. Que todo!
É escrevendo isso que, depois de alguns longos minutos para retomar a consciência, a noite que era dada por perdida e foi salva, termina. Ou melhor, foi prolongada; não sei se conseguirei dormir sossegado depois de Koyaanisqatsi.

KOYAANISQATSI - Produzido e dirigido por Godfrey Reggio
Para maiores informações: http://www.koyaanisqatsi.com