segunda-feira, setembro 18, 2006

"O Peso das Coisas" ou "Noite"

50 e poucos quilos de bulimia, olhos verdes cintilantes, ela era linda. Aqueles cabelos loiros espalhados no meu colo.
Lembro como se fosse hoje daquele dia no carro do pai dela, um desses jipes importados cujo nome não me vem à cabeça agora, nem tem importância para o relato. Ela estava exuberante, metida num vestidinho estampado, uma perdição. Tinha fumado um baseado na roda de amigos dela algumas horas antes. Me senti meio por fora naquela situação, eu de All Star e camiseta do AC/DC e os outros, Nike Shox e banho de boutique. Mas ainda assim fumei um, e ela mais que eu. Estava tão feliz.
Levou-me para um barzinho rústico a poucos metros da praia e ficou me fuzilando os olhos. Estremeci com o beijo que me lascou no pescoço. Ainda meio chapada, divertiu-se dizendo que minha barba a arranhava. Pagou a conta depois de um lanche rápido, algumas cervejas. Os amigos dela ficaram me olhando de soslaio porque quando abria a carteira ela já tinha entregado o dinheiro ao garçom.
Havíamos nos conhecido há pouco mais de 2 horas e já estava me bancando. Foi no lounge da Groove, aquela boate decadente que fica atrás do lava-rápido, ali no Centro. Não tinha cara de quem frequentava aquelas bandas, mas foi lá que a conheci. Havia recebido meu modesto salário de estagiário e saí para tomar uma cerveja e pegar mulher. Mal acabara meu namoro de 2 anos e lá estavam aqueles olhos verdes me abordando sem sutilezas. Não titubeei; não teria conseguido mulher mais interessante nem naquele, nem nos outros dias. Dançamos salsa (ou melhor, tentamos) e ela alegou cansaço, chamando-me para sair do lugar. Resisti um pouco, mas quando pôs minha mão em seu quadril, a acompanhei sem ressalvas. Como brilhava aquele par de olhos esmeralda; me fitava com desejo. Ela toda, bastante feminina, altiva, um esplendor de mulher, parecia arder de desejo, mas mantinha-se atrás do escudo da delicadeza. Saímos da boate para não sei onde, sem destino.

- Alô. Oi, Célia! Não. Estou no carro. Fala rápido! Tá, tou indo. Vou levar um amigo, ok?! Tá, beijo!
"Amigo?!" pensei decepcionado.
Lá ia eu para a roda de amigos dela, um bando de riquinhos metidos à besta. Suportei eles e vice-versa. Os olhares de desprezo só não surtiam mais efeito que os dela, me massageando o ego. Pagou a conta e saímos, dessa vez sozinhos.
Parou o carro num matagal próximo à estrada, apagou as luzes e pulou para o meu banco. Agora, aquela mulher era minha e, ainda que tivesse prometido a mim mesmo não se apaixonar por mais ninguém, eu também era dela. Língua e braços e seios e quadris e glúteos e colo; o que era aquela mulher?! Exalava lascívia no suor cheiroso. Fizemos muita coisa naquela noite, naquele lugar. Pena que foi só aquela vez, a única.
Lembro da hora que fui em direção a minha carteira pegar um preservativo e, docemente, puxou minha mão para o seu quadril dizendo "Já paguei a conta, gostoso!" mordiscou minha orelha. Ah, o quadril, sempre o quadril. O corpo arrepiado, a alma também. Não cabíamos em nós de tanto prazer. Fluxos contínuos de sensações, sangue acelerado. Os olhos verdes subindo e descendo nos meus. Os sussurros mudos entre os solavancos, A descobri como se descobre a si mesmo. Não houve detalhes que passaram despercebidos. Ela foi, é, será, minha mulher. Ainda que tenha sido só por aquela noite.

Camila e seus olhos verdes viraram cinzas domingo passado. Ela pediu a família para ser cremada quando da sua morte. Havia já quase dois anos depois que a conheci.
Só fui ter notícia dela um dia desses. Encontrei uma das garotas que estavam conosco naquela noite. Célia, como soube depois que se apresentou, era a morena baixinha que a havia convidado e que eu conhecera no bar da praia. Abordei Célia numa lojinha da rodoviária e ela demorou um tempo para me reconhecer. Não tivemos nenhum contato, mas ela lembrou de ter puxado papo comigo à mesa do bar, anos antes. Disse-me que Camila estava muito doente., que tinha feito muita besteira na vida. Não conversou muito, estava apressada para pegar um irmão que chegava de viagem ou coisa assim. Trocamos telefones, mas não recebi nenhum telefonema, tampouco liguei para Célia.
Só domingo, depois de dois meses após o encontro na rodoviária, recebi um telefonema enquanto assistia o Faustão. Célia disse pausadamente, entre soluços tímidos:
- Camila morreu. Estava muito fraca e não resistiu à pneumonia. Não te contei, mas a Camila pegou AIDS.
Célia ainda ensaiava dizer alguma coisa quando eu, até então estático, deixei minha mão cair, desligando o telefone.
Sinto ainda hoje aqueles olhos verdes embalando minhas horas de insônia. Sinto agora que estou velho, abatido. Sinto minhas olheiras fundas, meus dentes amarelos, meu fedor de cigarro. Sinto minhas costelas, meu fígado, minhas gônadas. Sinto que meu coração já não é mais o mesmo, que eu não sou mais o mesmo.
Já faz 4 dias depois da fatídica notícia.
Eu, 67 quilos de melancolia e elegendo a próxima, decido "Não. Não vou ao hospital!"
- Já paguei a conta! - Esse pensamento ecoava na minha cabeça.
Sonhei com aquela noite, com aquela mulher por muito tempo.

Imagem: Andreas Gefe .... http://www.clandestina.com

Sonido: Night Walk - Belle & Sebastian

* Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.


8 comentários:

Anônimo disse...

.

Diga é você
O motivo pra tudo estar aqui?
Sinto o peso das coisas
E o ar dentro de mim

Mostra que ainda existo
Ao menos me sinto assim
Aos domingos não te vejo
O mundo é ruim
Já mostrei o que eu ia esconder
Onde vou você sempre me vê
Finjo não doeu
E digo que nem percebi
Será que tá tudo bem?
Respondo que sim

Penso: você adivinha
Tudo o que sou ou o que fiz
Não gosto de C cedilha
Não pingo os meus "is"

[O peso das coisas - Pato Fu]


*Resto do comentário somente pra você. ;)

=*

.

Anônimo disse...

caralho, vítor. poste isso no jornaleiros, homi! ficou fuderoso!

não é a primeira vez que leio algo parecido, mas você escreveu fuderosamente!

bjos!

Anônimo disse...

=D
joinha, joinha.
cú de pato, gostei óh!

=***

Anônimo disse...

Nossa :O

Que coisa triste. Dá um dó tão grande dos dois.

Que vida rápida, né?

:*

Anônimo disse...

Sim, pra não perder o costume.

Caralho, você escreve muito bem :P

Anônimo disse...

Ficou massa.
Dava pra fazer um curta d drama "pornsoft" fuder... ou... brando.

Anônimo disse...

Gostei muito do seu conto, prendeu minha atenção msm estando com muito sono...hehehe
Já disse pra vc q ficou muito bom, vá escrever bem assim lá na casa de Bel...huhauahuahua

Anônimo disse...

é... vc sabe (d)escrever como ninguém!