quarta-feira, outubro 25, 2006

Ouça

Não há prazer maior que se reconhecer em uma melodia, em uma nota. Ser um solo de guitarra, um sopro de flauta, um andamento de bateria. Não é preciso ser entendido em partituras, graves e agudos, bemóis ou sustenidos. Apenas ser uma música.
Sentir os cabelos ao vento no fundo de uma textura, a boca cheia de sabores no apetite voraz de um instrumento afinado, a cabeça cheia de cores em um retorcer de cordas. Reconhecer-se música quando palavras já não forem mais necessárias, quando canções não dependerem mais de letras, quando a voz calar.
Música é no que a gente se transforma quando nada mais consola, quando não é mais preciso se fazer entender, quando a alma pula, quando o sorriso e a lágrima e o ranger de dentes se esvaem, é o que fica, o que abunda, é o que nos resta.
Em qualquer lugar, reconhecer-se música, e mergulhar em mundo particular, em um autismo involuntário, seja na praça, no banco, no ônibus, na praia, no trabalho, no mato, na cidade. Só há você e a música. Fundidos. Músicas.
É sentir-se; bem ou mal, não se consegue ficar inerte.
O aparelho auditivo é a parte mais interessante do corpo humano. Desculpem-me os surdos pela afirmação, mas me redimo dizendo também que música tem mais a ver com coração que com orelhas.

Estou sendo música quase o tempo todo. Até quando durmo; silêncio é música, sonho é mixagem, e mente, estúdio.

MÚSICA É TUDO!!!


* Um som que anda me despertando para essas coisas que eu sempre soube, mas teimava em manter afônico é o do trio gaúcho "Pata de Elefante". Já faz um tempo que se fala deles, sempre rasgando-se muita seda (por puro merecimento), mas o atrasado aqui só teve a sorte de limpar as orelhas à sério para o som dos caras a pouco tempo. Antes tarde que nunca.
Pata de Elefante é mais um dos expoentes da sempre efervescente cena de rock gaúcha, que, atualmente capitaneada pelos malucos do Cachorro Grande, nos dá presentes auditivos como Walverdes, Bidê ou Balde, Pública, Superguidis, entre outros.

Não perca a oportunidade de se reconhecer no som da virtuosa Pata de Elefante.

PATA DE ELEFANTE - DOWNLOAD


Imagem: Kanako e Yuzuru .... http://www.clandestina.com

Sonido: Tudo Vai Ficar Bem - Pata de Elefante


sexta-feira, outubro 20, 2006

"...Eu vou..."

Primeiro de tudo: foda-se o texto jornalístico. Esse post é pessoal, sentimental, informal, panfletário, parcial e feito em momento de empolgação. Já tenho problemas demais com o texto jornalístico e não quero me sentir castrado por suas orientações e balizamentos.

Vão falar que eu sou suspeito para fazer o seguinte comentário, que eu sou petista, lulista, empolgado, demagogo, iludido, burro, e mais um monte de adjetivos. Carregarei as alcunhas, algumas com orgulho, outros com apreensão, mas sem culpa. Tenho que falar sem adiamento que ontem à noite quem salvou meu dia foi um homem que anda salvando o dia de muita gente Brasil afora. Um cara de quem gosto muito desde há muito tempo. Luís Inácio Lula da Silva.

Meu humor deu uma guinada de 180º depois que comecei a assistir o debate presidencial veiculado ontem à noite pelo SBT. Estava totalmente entediado, borocoxô que só vendo. Começa o debate. Faço cara de interesse e vou assitir, já esperando o pior, denúncias e acusações e números forjados e birras e blá-blá-blá. Mas as coisas não são bem o que parecem.

Não que o que se espera dos debates não tenha acontecido. Aconteceu sim. Mas também aconteceram novidades e reviravoltas e propostas e seriedade e sensatez. O SBT, ou melhor, a Ana Paula Padrão está de parabéns pela atuação como mediadora do debate. Foi justa, imparcial, disciplinada. A mulher deu classe a um tipo de programa que costuma ser visto com o canto do olho.

Voltando ao assunto, o debate encheu os olhos, os ouvidos e o peito de quem tem orgulho do voto. Lula deixou Alckmin no chinelo e não precisou de muito para essa tarefa. Do alto de sua serenidade, Lula desmantelou os argumentos frouxos de Alckmin e lançou mão de questões pouco cabeludas, mas à queima-roupa, para assanhar ainda mais os três ou quatro cabelinhos da careca do candidato tucano. Foi a constatação da falta de carisma e senso de ridículo do nosso zeloso "Chuchu". Antes fosse Serra o candidato; talvez fôssemos poupados da fórmula pré-moldada "Eu vou + (verbo de ação no futuro do presente do infinitivo) + complemento necessário. Parece até aula de português.

O fato é que Lula mostrou o pau com que matou a cobra, como a matou, porque, quando e onde. Não necessariamente estamos falando de escândalos. Seria bom que ele falasse, mas como comodidade é uma presente do qual ninguém quer abdicar, deixou quieto e mostrou aos tucanos que eles estão no mesmo patamar, que a corrupção não nasceu com o barbudo e que, pelo menos, o que está acontecendo de podre na política não está sendo varrido pra debaixo do tapete.
Enquanto isso Alckmin balbuciava, tropeçava nos "Eu vou...'s", esbravejava, atirava números, acusações soltas, e ultrapassava o tempo estabelecido pelas regras. Uma tecla travada sem "backspace" para apagar.

Sabe-se que a mistura de política e paixão, muito comum no Brasil, é bastante indigesta e provoca grandes decepções. Lula sabe bem o quanto isso o custou. Sabe por que muita gente deixou de votar nele. E sabe que não é fácil reconquistar esse votos usando apenas marketing e promessas. Lula luta contra um adversário muito mais forte que Alckmin. A rejeição e o preconceito. Mas com trabalho, seriedade e compromisso com os diversos setores da sociedade ele há de se desvencilhar desses obstáculos.

Dia 29 desse mês eu vou me orgulhar do meu voto. Vou lembrar dos tempos em que eu carregava uma bandeirinha vermelha com uma estrela no meio, sem saber o que aquilo signifacava e vestia uma camisetinha cheia de estrelinhas coloridas escrito "Lula-lá". Vou ver meus pais e meus amigos chorando de felicidade após a apuração, vendo a vontade deles, a minha e a de muita gente, depois de muitos anos contida, ser consolidada outra vez. Ver esse Brasil melhorar em 8 anos o que não melhorou nas últimas duas décadas. Podem me chamar de bobo, de iludido, de utópico, do que quiserem. Podem dizer que eu fui controverso. Eu sempre acabo sendo. Por isso que a primeira frase desse texto foi "foda-se o texto jornalístico". Principalmente em época de eleição quando o nosso querido objeto de estudo resolve se comportar de maneira totalmente inesperada, desrespeitosa, subversiva às suas próprias normas.