segunda-feira, julho 09, 2007

Razões

Era dura a noite
Um ardor, uma dor, um prazer
Um ócio de criações vagas
E a lua bocejava no alto

Umas, palavras, outras, calavas
Idéias, escuras lembranças e o sono
Era o meio da noite dura
Clara, em que tudo aconteceu

E nada do que aconteceu
Agora vara este dia que nasce
Minha vista ficando alva
E, de ti, a alma se curva, turva.



*Descobri no olho do moço que o verde de antigamente é ardósia.

Nublada.

Não ria sempre das tentativas de fazê-la rir. Outros motivos, prosaicos, a tiravam do sério com mais frequência. Naquela época passava por muitos conflitos internos, não tivera tempo para digerir tudo. Eram muitas novidade para uma vida, até então, monótona. Escondia coisas da família, dos amigos, simulava atitudes, horários, paradeiros, era uma completa atriz. Vivia bem no meio daquilo tudo, admite.
Chorava escondida de vez em quando, mas era feliz. Não ria sempre das tentativas de fazê-la rir, mas era feliz, admite. Vivera coisas diferentes. Conheceu outro lado de si. Com o tempo foi cansando. O que era novo foi ficando cada vez mais velho, antigo. Nessa época já havia se afastado da família, os amigos todos longe. Cansou de atuar, de esconder, de mentir.
Voltou, feito filho(a) pródigo(a). Seu lar já não era o lar que deixara. Estranhou, ainda estranha, admite. Sofreu como sofreria qualquer um. Ou mais. Ou menos. Sofreu, relata.
Hoje, agora, pede pra eu não dizer em que condições me conheceu. Situações impublicáveis, admite, admito. Pede para eu desligar essa jeringonça eletrônica e voltar pra cama. De camisola lilás, sentada no meu colo, não ri das minhas tentativas de fazê-la rir. Diz que eu tiro sarro, avacalho, malho da desgraça alheia. E eu tentando escrever algo que lhe pareça simples, um texto curto, sem propósito, desleixado, admito. Algo prosaico.
Porque o melhor momento do dia é quando ela sorri, esquece o passado.


Sonido: Mourning Air - Portishead

Imagem: Greg Becker