segunda-feira, janeiro 21, 2008

Rindo Se Diz Coisas Sérias.

Digo que o amor acabou no momento em que virei piada, a mesma piada diária e sem graça que eu não nasci pra ser. Lembro que, grosso e esparramado por fora, aos trambolhões, me mandei daquela arena de indiferença, por dentro muito certo da chacota que abdiquei de repetir e repetir. Espero que riam mais e melhor, de muitas outras pessoas e de si mesmos também. E que não chorem depois.

Toda comédia romântica termina bem?!





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O Amor Acaba - Paulo Mendes Campos


O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois do teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferente dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga num cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o polén e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta do nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.



* Paulo Mendes Campos diz muito do que eu sinto agora. E o melhor, ele pode e deve ser levado à sério. Um brinde aos sensíveis, com pouco gelo e sem limão enfeitando o copo!


Sonido: Rindo Se Diz Coisas Sérias (pós-valsa) - Max de Castro



3 comentários:

Anônimo disse...

O meu não acabou.
O teu não acabou.
O dele não acabou.
O nosso não acabou.
Foi apenas um sonho ruim.
Quero já acordar e do do seu lado.

Anônimo disse...

Propício momento para se dar meia volta seguindo-se de uma corrida.

Anônimo disse...

Chorando tb se ouve coisas tristes