sábado, agosto 23, 2008

Cheio e Vazia ou Vasos Comunicantes

Sob a incandescência morta, o silêncio prevaleceu, farto, demorado se comparado à rapidez com que o sol se punha. O rio que é mar se prateava em ondas e pequenos caranguejos assistiam a tudo. O espetáculo diário de assistir a cheia e esvaziar-se em seguida. Quase não aceito a princípio, o despretensioso convite para observar o curso da natureza acendeu uma dúvida fora de contexto. A interrogação surgiu da paisagem: seria a amizade biodegradável?!
Uma onda bateu forte nas pedras nessa hora e todos os bichos vivos se esconderam entre as frestas. Teorias díspares surgiram instantaneamente na circunferência chapada do sol, como que me iluminando. A amizade é tão forte e duradoura como a rocha na beira do mar, pensei, desculpando-me por achar numa figura sem vida e cristalina demais motivo de comparação com tal sentimento. Outra onda, outra tese. A amizade é, sim, biodegradável, tão mortal e frágil como os caranguejinhos que ali estavam. Biodegradável como o amor, como a mágoa.
O silêncio ainda pairava quando o sol se apagou no horizonte e eu, conflito de terra e céu, resolvi que a dúvida era o melhor benefício. É difícil tirar conclusões quando o assunto é amizade. É melhor serenar ao vento de uma tarde amena do que se atirar na água revolta, encharcando tudo o que foi vivido. A natureza dá lições a todo momento.
O silêncio é a mais sábia atitude. Foi a nossa prece, a nossa forma de reverenciar aquela tarde tão intensa em que as palavras não se fizeram necessárias.
Esvaziemo-nos como a maré.


Solar

O sol se pôs
E o céu, um pastel só,
Pincel de nós,
Anoiteceu depois.