sábado, junho 07, 2008

Novamente


E daí que às 3h e pouco ele chegou, o mundo não se acabou, mas eu não consegui mais dormir. No silêncio da madrugada olhei as ruas vazias, senti o frio da chuva iminente, bebi copos d'água, mas nada mudou. Exatamente como nos últimos dias, nada mudou. Nem a falta do que fazer e dizer, nem a programação da tevê, o excesso de travesseiros na cama, a distância não-medida, a minha inércia. 20 e poucos anos de relacionamento e é com isso que me deparo no meio de mais uma madrugada mal-dormida. Perguntei-me a noite toda "até quando", "o que me falta", "por que não" e não obtive resposta. Ou talvez não quis aceitar o provável rumo que as coisas poderiam tomar. Só sei que me enrolei da cabeça aos pés ao lembrar das coisas boas que vivemos juntos todos esses anos. Dos prazeres que a vida nos cedeu. Do gosto que as coisas tinham no começo. Me encolhi na cama recordando o quanto fomos felizes e o quanto ainda pudíamos ser.
É tarde. Agora me parece que tudo isso é uma referência às avessas que insiste em aparecer nas nossas diferenças, na nossa falta de viço e desejo, na incapacidade de ser sincero um com o outro, por puro medo de ferir o que já está longe da cura. Às vezes me sinto dentro de um circo, parte de um espetáculo onde equilibro pratos enquanto engulo espadas domando elefantes. Onde falta a maquiagem, sobra cena e sorriso e calo a boca. Sem aplausos.
Sou um rascunho do que, um dia, sonhei ser, uma teoria questionada, ultrapassada por outras verdades. Uma pessoa que desvia os fatos para não se sentir desviada. Alguém preso dentro de si mesmo, por acomodação ou receio. Ou melhor, por dúvida.

Amanhã eu vou acordar com olheiras fundas e quando ele resolver falar comigo vai ser para enfatizar minha aparência cansada. Ou perguntar-me o que vamos comer. Eu, por minha vez, baixarei a cabeça e prepararei duas torradas. Sentarei na mesma mesa em que comemos diariamente em silêncio e tomarei o mesmo suco sem açúcar. Sem olhar nos olhos dele. Sem olhar para nada.
O que será de mim nos dias que tenho pela frente não sei. Vou levando assim até não sei mais quando...
Não é disso que vou morrer. E essa é a única certeza que tenho.


Imagem: João Figueiredo


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